quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Divórcio

 

Élder Dallin H. Oaks

Do Quórum dos Doze Apóstolos        


Para um bom casamento, não é preciso que o homem nem a mulher sejam perfeitos. É preciso apenas que esse homem e essa mulher se empenhem juntos na busca da perfeição.
Senti que deveria falar a respeito do divórcio. Esse é um assunto delicado porque desperta emoções muito fortes nas pessoas por ele atingidas de alguma forma. Alguns vêem a si mesmos ou aqueles a quem amam como vítimas do divórcio. Outros se vêem como beneficiários. Alguns encaram o divórcio como uma prova de fracasso. Outros o consideram a saída de emergência essencial para um casamento. De uma forma ou de outra, o divórcio afeta grande parte das famílias da Igreja.
Seja qual for a sua perspectiva, por favor, ouçam enquanto tento falar claramente dos efeitos do divórcio no relacionamento familiar eterno que buscamos, como parte do plano do evangelho. Falo com preocupação, mas também com esperança.

I.

Vivemos num mundo em que todo o conceito de casamento está ameaçado e onde o divórcio tornou-se corriqueiro.
O conceito de que a sociedade tem grande interesse em preservar o casamento para o bem comum, assim como para o bem do casal e dos filhos, foi substituído por muitas pessoas pela idéia de que o casamento é apenas um relacionamento particular consensual entre dois adultos, que termina quando um dos dois desejar.1
Países onde não havia a lei de divórcio passaram a adotá-la, e a maioria dos países que já o permitiam, tornaram-no ainda mais fácil. Infelizmente, sob as leis atuais de divórcio sem atribuição de culpa, ficou mais fácil romper um relacionamento conjugal com um parceiro indesejado do que romper vínculos empregatícios com um funcionário que não desejamos mais. Alguns até se referem ao primeiro casamento como algo “preliminar ou provisório”, como se fosse uma casa pequena em que uma pessoa mora antes de se mudar para outra.
A desvalorização do conceito de que os casamentos são permanentes e valiosos tem conseqüências de longo alcance. Influenciados pelo divórcio dos pais ou pela noção popular de que o casamento é como estar preso a uma corrente com uma bola de chumbo que tolhe a realização pessoal, alguns jovens fogem do casamento. Muitos que se casam sem assumir o total comprometimento estão prontos para abandonar o navio na primeira crise séria.
Em contrapartida, os profetas modernos advertem que encarar o casamento como “mero contrato que pode ser feito por capricho (…) e desfeito à primeira dificuldade (…) é um mal digno de severa condenação”, especialmente se isso causar sofrimento aos filhos.2
Nos tempos antigos, e mesmo em alguns países que vivem sob leis tribais onde hoje há membros da Igreja, os homens tinham a liberdade de divorciar-se da esposa por qualquer motivo trivial. O Salvador rejeitou esse tipo de opressão injusta às mulheres, quando declarou:
“Moisés, por causa da dureza dos vossos corações, vos permitiu repudiar vossas mulheres; mas ao princípio não foi assim.
Eu vos digo, porém, que qualquer que repudiar sua mulher, não sendo por causa de prostituição, e casar com outra, comete adultério; e o que casar com a repudiada também comete adultério” (Mateus 19:8–9).
O tipo de casamento necessário para a exaltação — eterno em duração e divino em termos de qualidade — nem sequer cogita o divórcio. Nos templos do Senhor, os casais casam-se para toda a eternidade. Mas alguns casamentos não progridem em direção a esse ideal. Por causa “da dureza de [nossos] corações”, o Senhor não faz vigorar atualmente as conseqüências do padrão celestial. Ele permite que pessoas divorciadas se casem de novo sem a mancha da imoralidade especificada na lei maior. A menos que um membro divorciado tenha cometido transgressões sérias, pode receber uma recomendação para o templo sob os mesmos padrões de dignidade que se aplicam a outros membros.

II.

Há muitas pessoas, bons membros da Igreja, que se divorciaram. Dirijo-me primeiro a elas. Sabemos que muitos de vocês são vítimas inocentes — membros cujo ex-cônjuge quebrou diversas vezes convênios sagrados, abandonou suas responsabilidades no casamento ou recusou-se a cumpri-las por um período maior de tempo. Os membros que passaram por esse tipo de ultraje sabem por experiência própria que existem coisas piores que o divórcio.
Quando o casamento morre e não há mais esperança de recuperação, é preciso que haja um meio de terminá-lo. Vi exemplos disso nas Filipinas. Dois dias após seu casamento no templo, um homem abandonou sua jovem esposa e não houve notícias dele por mais de 10 anos. Certa mulher casada fugiu e conseguiu o divórcio em outro país, mas o marido, que ficou para trás, ainda está casado segundo as leis filipinas. Como nesse país o divórcio não está previsto na lei, essas vítimas inocentes de abandono não têm meios de mudar seu estado civil e seguir adiante.
Sabemos que alguns olham para trás, para seu divórcio, e lamentam a culpa, parcial ou predominante, que tiveram na separação. Todos os que já se divorciaram sabem a dor que isso traz e precisam do poder de cura e da esperança que emana da Expiação. Esse poder de cura e essa esperança estão à disposição dessas pessoas e de seus filhos.

III.

Agora me dirijo aos membros casados, especialmente àqueles que estão pensando em divórcio.
Exorto-os com veemência, e também aos que os aconselham, a encarar a realidade de que, para a maioria dos problemas conjugais, o remédio não é o divórcio e sim, o arrependimento. Muitas vezes a causa não é incompatibilidade, mas o egoísmo. O primeiro passo não é a separação, mas a mudança. O divórcio não é o remédio para todos os males, e muitas vezes causa sofrimento duradouro. Um amplo estudo internacional a respeito do grau de felicidade antes e depois dos “grandes marcos da vida” concluiu que, em média, é muito mais fácil as pessoas conseguirem voltar a ser felizes depois da morte do cônjuge do que depois do divórcio.3 Os casais que esperam que o divórcio resolva os conflitos descobrem, com freqüência, que a separação os agrava, pois a situação complexa que se segue ao divórcio — principalmente se casal tem filhos — gera novos conflitos.
Pensem primeiro nos filhos. Como o divórcio separa os interesses dos filhos dos interesses dos pais, eles são as primeiras vítimas. Estudiosos da vida familiar dizem que a causa mais importante do declínio atual no bem-estar dos filhos é o enfraquecimento que vem ocorrendo nos casamentos, pois a instabilidade familiar diminui o envolvimento e a preocupação dos pais com relação aos filhos.4 Sabemos que os filhos criados por apenas um dos pais após o divórcio correm um risco muito maior de se envolver com drogas e alcoolismo, cair na promiscuidade sexual, ter baixo desempenho escolar e de tornar-se vítimas de vários tipos de enganos.
O casal com problemas sérios no casamento deve procurar o bispo. Como juiz do Senhor, ele dará conselhos e talvez aplique medidas disciplinares que levarão à cura.
Os bispos não aconselham os membros a se divorciarem, mas podem ajudá-los lembrando-os das conseqüências de suas decisões. Sob a lei do Senhor, um casamento, como a vida humana, é algo precioso e vivo. Se nosso corpo está doente, procuramos curá-lo. Não desistimos. Enquanto há esperança de vida, procuramos a cura incessantemente. Devemos fazer o mesmo com relação ao nosso casamento e, se buscarmos o Senhor, Ele nos ajudará e nos trará a cura.
Os santos dos últimos dias casados devem fazer tudo o que estiver ao seu alcance para preservar seu casamento. Devem seguir os conselhos para o enriquecimento do casamento, contidos na mensagem da Primeira Presidência na Liahona de abril de 2007.5 Para evitar a denominada “incompatibilidade”, marido e mulher devem ser o melhor amigo um do outro, ser bondosos e atenciosos, sensíveis às necessidades do companheiro, sempre buscando fazer o outro feliz. Devem ser parceiros nas finanças da família, trabalhando juntos para ajustar seus desejos por coisas materiais.
É claro que pode haver momentos em que um dos cônjuges falha e o outro fica magoado e sofre. Quando isso acontecer, o cônjuge ofendido não deve pesar na balança apenas a decepção atual, mas também as coisas boas do passado e as perspectivas mais promissoras para o futuro.
Não guardem mágoas passadas nem voltem a remoê-las. No relacionamento conjugal, tornar-se cada vez mais amargo é destrutivo; perdoar é divino (ver D&C 64:9–10). Implorem a orientação do Espírito do Senhor para perdoar as ofensas (como o Presidente Faust nos ensinou tão lindamente), sobrepujar falhas e fortalecer o relacionamento.
Se vocês já estão chegando ao ponto de um casamento de aparências, peço que dêem as mãos, ajoelhem-se juntos e implorem fervorosamente por ajuda e pelo poder de cura da Expiação. Suas súplicas humildes, feitas em conjunto, vão aproximá-los do Senhor e um do outro, além de ajudá-los na difícil jornada de volta à harmonia conjugal.
Pensem nas observações a seguir, feitas por um sábio bispo com larga experiência em aconselhar membros com problemas conjugais. Falando daqueles que acabaram por divorciar-se, ele disse:
“Todos, sem exceção, casais ou indivíduos, disseram que reconheciam que o divórcio não era uma coisa boa, mas todos insistiam que o caso deles era diferente.
Todos, sem exceção, concentraram-se no erro do outro e atribuíram pouca responsabilidade ao próprio comportamento. Não havia mais comunicação.
Todos, sem exceção, olhavam para trás e não estavam dispostos a perdoar o comportamento anterior do cônjuge e seguir em frente.
Alguns casos envolviam pecados graves, mas o que afirmavam mais freqüentemente era terem deixado de amar um ao outro, dizendo: ‘Ele não satisfaz mais as minhas necessidades’ ou ‘ela mudou’.
Todos estavam preocupados com o efeito que isso teria nos filhos, mas a conclusão era sempre a mesma: ‘é pior para eles que fiquemos juntos, brigando’”.
Por outro lado, os casais que seguiram o conselho do bispo e permaneceram juntos tornaram seu casamento ainda mais sólido. Isso começou com um compromisso mútuo de guardar os mandamentos, permanecer ativos na freqüência à Igreja, ler as escrituras, orar e trabalhar quanto às próprias falhas. Eles “reconheceram a importância e o poder da Expiação para o cônjuge e para si mesmos”, e “foram pacientes e não cessaram de tentar”. O bispo relatou que, sempre que os casais que aconselhou colocaram essas coisas em prática, arrependeram-se e empenharam-se em salvar o casamento, “a cura foi alcançada em 100% dos casos”.
Mesmo aqueles que acham que o cônjuge é o único culpado não devem agir precipitadamente. Um estudo relatou que “não foi encontrada nenhuma evidência de que o divórcio ou a separação sempre tornem os adultos mais felizes do que se permanecessem num casamento infeliz. Dois entre três adultos que não eram felizes no casamento mas que evitaram divorciar-se relataram que cinco anos depois continuavam casados e felizes”.6 Uma mulher que insistiu em manter um casamento intolerável por muitos anos até que os filhos crescessem explicou: “Havia três participantes em nosso casamento: meu marido, eu e o Senhor. Disse a mim mesma que se dois de nós ficassem firmes, permaneceríamos juntos”.
O poder da esperança demonstrado nesses exemplos às vezes é recompensado com o arrependimento e a mudança, mas nem sempre isso acontece. Cada caso é um caso. Não podemos controlar e não somos responsáveis pelas escolhas dos outros, mesmo quando o impacto em nós é muito doloroso. Tenho certeza de que o Senhor ama e abençoa os maridos e as esposas que tentam, com todo o amor, auxiliar o cônjuge que luta com problemas tão sérios como pornografia ou outro comportamento vicioso, ou ainda as conseqüências duradouras de maus-tratos ou abusos na infância.
Seja qual for o resultado ou por mais difíceis que sejam suas experiências, vocês têm a promessa de que as bênçãos de relacionamentos familiares eternos não lhes serão negadas se vocês amarem o Senhor, cumprirem Seus mandamentos e derem o melhor de si. Quando o jovem Jacó “sofreu aflições e muita tristeza” devido às ações de outros membros da família, seu pai, Leí, assegurou-lhe: “Conheces a grandeza de Deus; e ele consagrará tuas aflições para teu benefício” (2 Néfi 2:1–2). De modo semelhante, o Apóstolo Paulo garantiu-nos que “todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus” (Romanos 8:28).

IV.

Para terminar, falarei brevemente àqueles que estão pensando em se casar. A melhor forma de evitar o divórcio de um cônjuge infiel, que maltrata e não dá apoio é evitar casar-se com essa pessoa. Se vocês desejam casar bem, então, procurem bem. Conversas informais com uma pessoa ou troca de informações pela Internet não são suficientes como base para um casamento. Vocês precisam sair juntos e depois namorar de modo cuidadoso, zeloso e consciente. Deve haver inúmeras oportunidades de observar o comportamento do futuro cônjuge, nas mais variadas situações. Os noivos devem conhecer tudo o que for possível sobre a família da qual logo farão parte. Com tudo isso, devemos estar cônscios de que para um bom casamento não é preciso que o homem nem a mulher sejam perfeitos. É preciso apenas que esse homem e essa mulher se empenhem juntos na busca da perfeição.
O Presidente Kimball ensinou: “Duas pessoas prestes a casar-se devem estar cientes de que, para ter a união feliz que almejam, precisam saber que o casamento (…) implica em sacrifícar-se, partilhar ou mesmo reduzir algumas liberdades pessoais. Envolve economias longas e penosas. Envolve filhos que trazem fardos financeiros, de serviço, preocupações e cuidados; mas também envolve as emoções mais profundas e doces existentes”.7
Por experiência própria, testifico que o casamento e a vida familiar são doces como descritos na Proclamação ao Mundo sobre a família, quando o marido e a mulher os fundamentam na “solene responsabilidade de amar-se mutuamente e amar os filhos, e de cuidar um do outro e dos filhos” e nos “ensinamentos do Senhor Jesus Cristo”.8 Testifico que Ele é nosso Salvador e oro, em Seu nome, por todos os que lutam pelas bênçãos supremas de uma família eterna. Em nome de Jesus Cristo. Amém.

Notas

1. Ver Bruce C. Hafen, Covenant Hearts (2005), pp. 37–39; Allan Carlson, Fractured Generations (2005), pp. 1–13; Bryce Christensen, Divided We Fall (2006), pp. 44–45.
2. David O. McKay, em Conference Report, abril de 1969, pp. 8–9; ou “Structure of the Home Threatened by Irresponsibility and Divorce”, Improvement Era de junho de 1969.
3. Richard E. Lucas, “Adaptation and the Set-Point Model of Subjective Well-Being: Does Happiness Change after Major Life Events?” Current Directions in Psychological Science, abril de 2007, disponível no site www.psychologicalscience.org.
4. Ver Jean Bethke Elshtain e David Popenoe, “Marriage in America” (1995), citado em Bruce C. Hafen, “Marriage and the State’s Legal Posture toward the Family”, Vital Speeches of the Day, 15 de outubro de 1995, p. 18; ver também “Marriage and Public Good: Ten Principles” (2006), p. 24.
5. James E. Faust, “Como Enriquecer seu Casamento”, A Liahona, abril de 2007, pp. 2–6.
6. Linda J. Waite e outros, “Does Divorce Make People Happy?”, Findings from a Study of Unhappy Marriages (Institute for American Values, 2002), p. 6; ver também estudos citados em “Marriage and the Law, A Statement of Principles”, (Institute for American Values, 2006), p. 21.
7. Ensinamentos dos Presidentes da Igreja: Spencer W. Kimball, (2006), p. 194.
8. “A Família: Proclamação ao Mundo”, A Liahona, outubro de 2004, p. 49.

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